WISLEN PAIVA VASCONCELOS
(PSICÓLOGO CRP-11/19961, ESCRITOR, COLUNISTA, POETA, LETRISTA, COMPOSITOR, MÚSICO, CANTAUTOR E ESPECIALIZANDO EM MUSICOTERAPIA)
Durante muito tempo no nordeste do Brasil, quando se via uma família numerosa, logo vinha a pergunta, “vocês não têm televisão em casa?”, era comum atribuir a falta de laser pelo fato de ter tido muitos filhos.
Mas naquela época, a televisão era mesmo, talvez, o único laser possível para muitos. Hoje, com a invasão da tecnologia nos lares, tudo tem mudado e muito, mas você saberia dizer se foi para pior? É certo que o uso de telas, tem prejudicado praticamente em tudo dentro do contexto familiar, principalmente na criação das crianças.
Segundo pesquisas feitas em 2013 com os pais em 20 países no mundo, 57% das crianças até 5 anos já sabiam utilizar aplicativos em smartphones, enquanto apenas 14% sabiam amarrar os sapatos sozinhos. O uso de telas prejudica demais o neurodesenvolvimento das crianças, promovendo um novo conceito de abandono dos pais, uma forma moderna para permanecer ausente da vida das crianças sem se culpar momentaneamente.
Essa pesquisa foi encomendada pela AVG, uma das empresas líderes em tecnologia de segurança e antivírus, e foi feita há quase 10 anos atrás, imagina se esta pesquisa fosse feita hoje? Naquele ano, os smartphones ainda não tinham tido o boom como objeto de consumo mais desejado 10 em cada 10 pessoas do mundo, eles só existiam nas mãos de alguns poucos, por ser um aparelho muito caro, ainda não existiam várias redes sociais como Instagram, Tweeter e a Internet não era tão rápida.
Parece clichê, mas é a realidade, infelizmente, a culpa é dos pais, que cada vez mais cedo usam o smartphone como uma distração para manter suas crianças “controladas”, ou para que elas não perturbem ou atrapalhem algo que estejam fazendo ou precisando fazer, mesmo com todos os avisos que isso é um erro, e que vai prejudicar imensamente a criança, e consequentemente a família toda, ainda assim, virou hábito normalizado.
Em um mundo que cada vez mais abandona os livros e digitaliza tudo com sua pressa imensurável, monetizando momentos, capitalizando segundos, deixando esta modernidade tecnológica preencher um vazio que já preenche os dias de cerca de 9 em cada 10 pessoas do planeta, as telas acabaram por virar o vilão desta história, mas o ato de disponibilizá-las as crianças é dos pais, então quem é o vilão afinal?
O vazio existencial está cada vez mais ampliado, fazendo crescer o abismo que já existia, entre a realidade e a projeção que cada um tem de si mesmo. O self real deixa de ter um significado tão importante quanto deveria e como hoje se vive a cultura do “EU”, o self ideal deixa de importar.
Segundo Winnicott (1896/1971), o verdadeiro self surge assim que há qualquer organização psíquica na pessoa, logo, o conceito de verdadeiro self remeteria aos rudimentos, antes de haver uma separação entre o interior e o exterior, do que posteriormente constitui a realidade interna da criança.
No self real a pessoa descreve o senso de si, baseado na experiência espontânea e autêntica, e na sensação de estar vivo, enquanto o falso self, ou self ideal, é aquilo que não é a realidade do indivíduo, mas aquilo que ele gostaria que fosse.
Afinal o que antes fazia alimentar a curiosidade, aguçar a criatividade, incrementar o conhecimento das crianças, que tinham em seu desenvolvimento as brincadeiras, os livros e a família como base, vem se perdendo com o tempo e está cada dia mais sendo vencido pelas facilidades proporcionadas pela internet que inundam de ofertas e de possibilidades na palma das mãos das crianças.
Segundo Freud, todo excesso esconde uma falta? Se essa premissa está correta então ligue o botão vermelho logo, a sociedade do consumo vive o mundo dos excessos em forma plena, e sem perceber foram escravizados pelos mais fortes (as megacorporações), uma escravidão que deixa a pessoa pensar que é livre e que pode ir e vir, mas são dominadas e induzidas em suas escolhas, sem grilhões, tronco e nem senzalas.
Winnicott (1896/1971), escreveu “O ambiente é um processo de maturação (1965), O processo de amadurecimento e ambiente facilitador e tudo começa em casa (1971)”, onde ele trás para reflexão dentro da comunidade acadêmica, como se forma o indivíduo em seu núcleo íntimo, familiar, e como se dá tudo isso na passagem para uma vida em sociedade.
Somos frutos do nosso processo histórico-cultural ao qual fomos inseridos quando nascemos, mas qual será o processo histórico-cultural de uma criança com uso de telas em excesso? Como ela irá aprender a amarrar os próprios sapatos? A internet veio como um facilitador para todos, seu mal uso transforma ela numa senzala moderna.
Existem vários sintomas que podem ser logo reconhecidos nas crianças que estão desenvolvendo vício em telas, fiquem atentos e comecem a diminuir gradativamente o uso das telas da criança sempre substituindo por alguma outra atividade, criança precisa brincar, correr, pintar, pular, nadar, andar de bicicleta, atividades físicas são o primeiro passo, mas o passo mais importante é estar presente no mundo da criança, e sair com elas, passear em pracinha, entre outras coisas.
Ao perceber em sua criança:
Inquietação
Irritação
Impaciência
Insônia
Dependência do uso contínuo
Isolamento
Lembrando que, não precisa ter todos estes sintomas juntos, ao perceber um ou dois já busque ajuda, evite o uso de seu celular para não dar exemplo, crianças são como esponjas e tendem a repetição do que veem, e os pais são o espelho mais usado.
O tempo recomendado para crianças até dois anos é zero total, até 6 anos aproximadamente 30 minutos ao dia, de 7 anos aos 12 anos máximo 1 hora, se já estiver em horas de uso maior que recomendada como foi dito acima, tem que tirar gradativamente e substituir por outras coisas, não retire de uma vez e pronto, a abstinência nestes casos podem ser muito severas, e requerer terapia para criança, dentro do processo, a terapia pode ajudar aos pais e a criança para facilitar este processo de adaptação ao tempo de uso de telas.
Não deixe de buscar ajuda em terapia. Em alguns casos mais graves de abstinência pode ser necessário acompanhamento psiquiátrico e uso de fármacos para o processo ser bem-sucedido, cuide da saúde mental de sua criança, evite telas.
REFERÊNCIAS
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