Se perceber dentro do novo contexto que surgiu neste mundo pós-pandemia, é uma tarefa muito árdua para qualquer pessoa, tendo ela contraído ou não o vírus da covid-19, é certo que todos sofremos muito durante este período, afinal muitos perderam amigos, familiares, e outros sofreram por ter contraído o vírus mesmo.
Foram dois anos de muita informação desinformada, muito “Fake News”, medos, receios, pânico, potencializando assim alguns transtornos como a ansiedade e a depressão, algumas pessoas não entendiam ao certo o que realmente estava acontecendo com elas, era algo novo, até que se viram surtando e tendo que cuidar de sua saúde mental.
Mas os jovens da geração Z (aqueles nascidos a partir dos anos 2000) foram os mais afetados, o atual contexto os deixou sem estrutura psicológica alguma, transformando coisas simples e corriqueiras, como sair de casa para ir ao colégio, ou encontrar com os amigos para um rolê, uma tarefa muito difícil, complexa e em alguns casos quase impossíveis.
Muitos passaram a perguntar o porquê, já que estes jovens foram favorecidos pela tecnologia, tendoacesso a coisas nunca imaginadas pelas gerações anteriores, ao invés de usufruir e tirar proveito disso, não se desenvolvem como deveria e como se esperava.
A partir disso foi gerado um fenômeno que outrora não estávamos vendo tanto assim a evasão escolar e o desinteresse pelos estudos, (existia, mas seguia mascarado, para não ser percebido). Até bem pouco tempo a busca pelos sonhos e realizações profissionais era fator preponderante em meio aos jovens, principalmente com a chegada do Enem e a liberação de bolsas pelo Pro-Uni e /ou financiamento pelo Fies, já no Ensino médio víamos muitos alimentando seus sonhos e esperança de uma provável vida melhor, agora facilita pelas ações do governo.
A geração Z vem demonstrando um desinteresse total pelos próprios estudos, não reconhecendo a importância e necessidade dos estudos na construção de sua cultura e no seu futuro, este desinteresse foi muito agravado depois da pandemia.
Segundo GOULART, 2022. “É crescente a percepção difundida entre os professores de que os alunos estão cada vez menos interessados pelos estudos e reconhecendo menos a sua autoridade e, desta forma, a mera transmissão de informação sem a adequada recepção não caracterizaria um eficiente e eficaz processo de ensino-aprendizado”.
Com isso os professores estão aflitos, atônitos com situações que começaram a surgir em suas salas de aula, como: crises generalizadas de ansiedade, sensação de vazio (em alguns casos Languishing e em outros Bournout) quadros depressivos, e o desinteresse destacado pelo porvir, pelos estudos, pela vida em si (estudado pela filosofia como niilismo), quadros estes que em alguns jovens chegam ao extremo, como o de se automutilar e ou ter ideações suicidas, alguns chegam a vias de fato, tornando o fenômeno como um problema social, onde as politicas públicas precisam intervir antes que seja tarde demais.
É preocupante para os pais, para o Núcleo Gestor das escolas, para os professores, já que as idades destes alunos são cada vez menores, muito jovens, variando entre 8 e 17 anos, e os fatores sócios culturais não são mais algo preponderante como antes, desmistificando todas as variáveis conhecidas até então.
Neste sentido, Içami Tiba e Júlio Aquino, afirmam que a ausência de limites na educação familiar onde os pais são demasiadamente tolerantes, fecunda consequências desastrosas, produzindo crianças indisciplinadas, agressivas, insolentes e que vivem conflitos internos demonstrando insegurança em tudo o que realizam.
Estas crianças sem habilidades de convívio social já de algum tempo para cá, tiveram após a pandemia uma queda ainda mais brusca neste sentido, já que vários não tem o acompanhamento dos pais em seus relacionamentos interpessoais, (os pais não sabem quem são seus amigos, não sabem com quem eles andam), se seus deveres e obrigações escolares estão sendo feitos, eles estão a deriva, sem a orientação e cobrança dos pais.
Claro que a falência das famílias, corroboram para este contexto, os pais estão separados, e ou divorciados, em muitos casos vivem em brigas por guardas e/ou pensões, com tudo isso só vimos a transformação desta face da moeda, pela realidade cruel dos novos tempos, e todas suas mazelas sociais, tornando o descaso na criação dos filhos, como algo corriqueiro e normatizado.
“Mas, ao mesmo tempo em que a escola desenvolve-se, ela, juntamente com a família parece perder o poder e o espaço que outrora tiveram na formação do indivíduo, pois as crianças começaram a entrar mais cedo na escola, fato que pode favorecê-las (quando a criança é bem acompanhada pelos pais) ou prejudicá-las (quando os pais por deixá-la durante muito tempo na escola geram na mesma, um sentimento de descaso em relação ao seu desenvolvimento)” (MONTEIRO, 2022)
Segundo Ferreira et. al. (2007), várias podem ser as causas do desinteresse dos alunos observado nas escolas atualmente: o uso de aulas expositivas, a atitude autoritária ou mesmo o descaso de professores, a falta de incentivo e de exemplo dos pais, a falta de estrutura da escola, ou a necessidade dos alunos trabalharem para ajudar nas despesas familiares, entre outras. A situação é ainda pior no turno da noite, quando alunos trabalhadores cansados pela jornada de trabalho, são submetidos a aulas muitas vezes distantes da vida cotidiana, e focadas em avaliações classificatórias.
Traçando assim uma competitividade que pode gerar um desterritorialização, segundo DELEUZE, 1968, a desterritorialização é o movimento pelo qual se abandona o território traçando assim a operação da linha de fuga. O aluno fugindo de sua realidade escolar, que passa a ser desinteressante e trata com descaso e sem importância as propostas pedagógicas da escola.
Conforme Haesbaert (2002, 2003, 2009), a temática da desterritorialização tem sido centro de discussões na última década. O mundo vive atualmente um de seus períodos mais contraditórios e complexos, com os efeitos da modernização que impõem novas geometrias aos espaços. Conforme Haesbaert, a desterritorialização “é tratada como uma das marcas fundamentais de nosso tempo” (HAESBAERT, 2003, p.113).
Óbvio que ser professor nestes tempos é uma coisa dificílima, mas nunca foi fácil mesmo. Só que novos elementos dificultaram ainda mais o trabalho pedagógico, ofertar uma escola com qualidade é um fardo indigesto, principalmente depois que se instalou na nossa sociedade uma convicção de que os alunos estão cada vez mais mal-educados e indisciplinados, com comportamentos que só atrapalham a dinâmica das aulas.
Estabelecer limites e fazer valer o valor das disciplinas de uma maneira saudável tornou algo necessário, mas que requer uma autoridade sem autoritarismo, para tanto é fundamental extrair dos pais o interesse no que diz respeito aos seus filhos, ao compromisso com o respeito e com os estudos, pontuando que uma criança só pode aprender a conviver em sociedade ao conviver com seus pares, em especial com seus pais.
A grande maioria dos comportamentos aprendidos pelas crianças vem da repetição, na imitação, da experimentação, da invenção, é algo aprendido, não inato delas serem agressivos, indisciplinados, irritados, sabendo que ao fazer uma coisa pela primeira vez toda criança olha em sua volta para ver se agradou ou não, ela necessita de plateia, para saber definir se continua ou não fazendo aquilo que fez, é como se fosse um atestado de aceitabilidade, cabe apenas aos pais transmitir aos filhos a diferença entre o que é aceitável ou não.
Segundo MONTEIRO, 2022, O desenvolvimento da indisciplina corresponde ao surgimento de um controle interno, uma obediência às regras que não dependa mais exclusivamente do controle dos pais ou de outras pessoas, isso implica na assimilação racional das regras, o que faz surgir a reciprocidade, o respeito mútuo que vem a ser a capacidade de respeitar o outro e por ele ser respeitado.
A lei 13.935 que ficou por quase 20 anos tramitando esperando ser promulgada, determina que nas escolas públicas tenham em seu quadro funcional, um assistente social e um psicólogo, devido a pandemia isso ainda não foi possível, mas confiamos plenamente no cumprimento da lei, principalmente por já ter sido confirmado a necessidade destes profissionais disponíveis nas escolas, a saúde mental dos alunos são fatores determinantes neste mundo pós pandemia que vivemos, e com toda a certeza também a saúde mental dos professores e colaboradores das escolas precisam ser assistidas também.
Os novos tempos requerem uma política pública voltada para a saúde mental mais eficiente e eficaz. É de máxima urgência que se volte os olhos para a saúde mental, quebrando com todos os estigmas e tabus vigentes até hoje, campanhas publicitárias, veiculação em todo tipo de redes sociais, streamings, rádio, tv e revistas precisam ser feitas para enfatizar e quebrar de vez este tabu, este estigma em se tratando de saúde mental, o corpo é uma máquina que precisa de cuidados em todos os níveis, pra ontem, pra já.
REFERÊNCIAS:
AQUINO, Julio. Groppa. (Org.), Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 3ª Edição, São Paulo, Editora Summus, 1996.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Lisboa: Presença, 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 2009. v.1.
FERREIRA, et. al.; Indisciplina e desinteresse do aluno da rede oficial de ensino: uma abordagem da sociologia da educação. In: Augustus, nº24, agosto/2007.
GOULART, Joender Luiz. Desinteresse escolar: em busca de uma compreensão. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 01, Vol. 04, pp. 89-110. Janeiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/desinteresse-escolar, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/desinteresse-escolar. Acesso em 07/06/2022 as 14h.
HAESBAERT, Rogério; BRUCE, Glauco. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. Revista GEOgraphia, Niterói, ano IV, n.7, p.7-31, 2002.
HAESBAERT, Rogério; BRUCE, Glauco. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.) Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p.166-205.
HAESBAERT, Rogério; RAMOS, Tatiana Tramontani. O mito da desterritorialização econômica. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, v.6, n.12, p.25-48, 2004.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 4ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
MILENA, Monteiro. A Indisciplina e Agressividade: Prevenção e Intervenção no Contexto Escolar. 2022. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/educacao/indisciplina-agressividade-prevencao-intervencao-no-.htm acesso em: 07/06/2022 as 15h.
TIBA, Içami. Disciplina, limite na medida certa. São Paulo, Editora Gente, 1996.
ZEHETMEYR, Fabiane Knepper ; HARTWIG, Carla de Andrade ; MAYER, Cairo Ezequiel ; KRUGER, Verno. A Importância dos estudos Para os Alunos de uma Escola Estadual da Cidade de Pelotas-RS e as Possíveis causas que Levam à Evasão Escolar. Disponível em: file:///C:/Users/JT77COPIAS-PC3/Desktop/CH_00692.pdf acesso em 07/06/2022 as 17h.
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