É cada dia mais expressivo todas as mudanças que pode-se observar nos comportamentos sociais das pessoas em virtude do uso da tecnologia. Percebe-se que, estes comportamentos que já afetam os adultos estão chegando muito cedo às crianças, e ao se inserirem no universo on-line, sofrem visivelmente ao participarem desta conexão com mundo externo.
No passado os pais usavam de sua autoridade e conseguiam impor em uma boa maioria das crianças os limites necessários para o uso da tecnologia, que durante muitos anos se limitava a TV, mas com a chegada dos computadores, jogos eletrônicos e celulares, tudo foi ficando muito complicado, durante a pandemia com as aulas online e o mundo de ponta cabeça tudo piorou num grau imensurável.
O tempo de qualidade de vida que existia já não faz parte da vida de muitos, tudo muito corrido, pra ontem, e isso acaba por deixar a todos alertas por terem que produzir, e exercer múltiplas funções, e neste corre-corre falta tempo, e a vida é um cansaço e uma fadiga eterna, gerando negligencia com a família e principalmente com as crianças.
Há bem pouco tempo os pais tomavam nota dos lugares que o filho ia, com quem ia, até que horas ficaria, o que iria comer ou beber naquele ambiente, o tipo de conduta moral e ética dos acompanhantes e ou donos do lugar em questão, afinal
“Me diga quem tu andas e direi quem tu és”, sempre era dito pelos pais de todos e tido como regra a se cumprir.
Durante a segunda guerra, já que os homens estavam a serviço da pátria, as mulheres que estavam arregaçando as mangas e foram trabalhar, tendo jornada dupla e as vezes tripla em suas funções. Com o pós guerra, isso tudo se intensificou, e as mulheres tiveram e tem papeis indispensáveis dentro do contexto social e familiar.
Com o passar do tempo e o corre-corre do dia a dia, com a tecnologia cada dia mais avançada e em cima de nós com suas facilidades, comodidades e nos proporcionando uma zona de conforto incomum, ainda chegou para potencializar tudo isso os smartphones e seus inúmeros apps, suas redes sociais invadindo sem pressa e com a certeza de que dominariam dentro em breve as ações de todos nós, já que tinham o recurso invisível do algoritmo e nos serviriam a 3/4 com uma tsunami de ofertas do que mais gostamos e assim escravizariam a todos aos poucos e quando perceberem já estavam dominados.
Afinal ao toque de suas mãos em um aparelho pequeno, que a princípio veio para ajudar e facilitar a vida de todos, o que se vê hoje é um desafio nunca pensado, justamente por que temos uma janela para um mundo novo que é alimentado a todo segundo e é tão viciante quanto uma droga ilícita como a cocaína, e se tem tanto poder assim com nós adultos, imagina com as crianças, onde tudo que é colorido, alegre e musical já chama a atenção e prende.
Diante de muitas teorias que surgiram para equalizar o discurso do certo ou errado em se tratando das crianças e o uso correto das famosas telas. É oportuno desenvolver dialéticas que leve a decidir qual o melhor caminho. Diversos profissionais já alertam para os perigos com o uso das telas na infância, e como os nossos adolescentes e jovens estão se pondo em risco com o uso indiscriminado dos mesmos.
Em 2013, na França, o pesquisador Serge Tisseron fez um importante manifesto, onde aquece a discussão e nos convida à reflexão sobre a funcionalidade deste uso tão precoce das telas. Apontando também para alguns marcos temporais invioláveis segundo ele, que deveria ser a orientação de todos os responsáveis pelas crianças.
O autor orienta que seja evitado de forma total de telas por crianças menores de 3 anos, e que acesso à internet apenas a partir de 9 anos, e somente ser permitido o uso de redes sociais a partir de 12 anos, tudo isso com o total acompanhamento dos pais, no momento do uso.
Com este artigo é possível questionar alguns pontos de suma importância: Em que mundo os pais terão tempo para prover sustento e acompanhar sistematicamente seus filhos durante todo o dia? Já que as telas se apresentam as crianças em todos os lugares, tais como: na escola, nos espaços de lazer, restaurantes, lanchonetes, shopping, residências de amigos e família, em todos os ambientes que frequentamos hoje contam com a tecnologia para entreter a todos e principalmente à criançada.
O artigo em questão vem com uma discussão social com a temática central de orientar aos pais quanto a direção a seguir, e resoluções possíveis dentro da problemática. Voltar todas as energias dos pais em evitar o mundo digital para suas crianças não é uma tarefa fácil e com certeza irá gerar muita frustração e desconforto, já que vivemos uma realidade onde todo este comportamento está consolidado.
É muito importante ficar ciente que dentro deste contexto, é preciso ficar atento para o acompanhamento do uso das telas pelas crianças, estes caminhos digitais pelos quais estas crianças andam, com certeza pode esbarrar em uma narrativa construída recentemente, a famosa privacidade, tanto requisitada, como forma de preservação da individualidade.
Esse termo vem rondando conversas e estão fervorosamente sendo ditas por crianças e adultos, que de fato não conseguem reconhecer onde se aplica esta questão. Percebe-se que isso tem dificultado os pais a compreenderem o seu papel no âmbito da educação de seus filhos, como também no sentido de protegê-los quando o assunto é o mundo digital.
Essa dificuldade de compreensão se dá em virtude dos inúmeros bombardeios midiáticos, sobre a concepção da família tradicional e como os pais são taxados de tóxicos, quando porventura decidem desbravar o mundo das crianças e adolescentes que cada dia ficam mais enclausurados em si mesmos.
Fica evidente que neste caso, desbravando o mundo do filho, os pais criam assim as situações típicas geradas pela supervisão de modo consciente, mesmo que deixando claro as intenções. Tendo de considerar toda a discrepância pelas decisões de alguns pais, no que se refere a este assunto.
Pode-se citar o caso da norte americana Denise New, que foi multada e proibida de ver o filho pela justiça local, por ter acessado uma rede social do seu filho, que ainda era menor de idade (adolescente), e publicado mensagens difamatórias sobre a criança, o que causou prejuízo emocional e social para o adolescente, a mãe alegou no julgamento realizado em Arkadelphia no estado do Arkansas em 2010, que a intenção era a de proteger a criança de si mesmo, o punindo com a sua atitude pelas más condutas do adolescente.
No Brasil, a lei faz menção prioritariamente a dados, imagens e fotos pessoais das crianças e adolescentes, em caso de divulgações pelas redes sociais e ou internet, e-mail já que por não responderem juridicamente por si, e serem vítimas constantes de coisas semelhantes dentro de um universo de possibilidades de assédio e abusos digitais.
Os pais e a comunidade deve pautar no que prevê o Artigo 3, parágrafo 1 da Convenção dos Direitos da Criança, que versa sobre o melhor interesse do menor, seguindo esta lógica e compreendendo que o menor ainda não está apto a tomar decisões solo, precisando assim estar sob o cuidado de um adulto responsável, é perfeitamente questionável essa narrativa da privacidade da criança e adolescente. Uma questão que se pontua bastante dentro do assunto privacidade, é no que diz respeito a senhas, contatos e uso das redes. Os pais devem ficar atentos ao que está sendo consumido por eles, e a principal ferramenta para isso é o livre acesso dos pais aos espaços digitais que o filho utiliza.
Estar atento aos filhos requer abnegação, exige tempo e convoca a um exercício de paternidade integral, que se expressa no amor e cuidado nos mínimos detalhes. Sempre lembrando que os filhos são produtos da sociedade em que vivemos, como também dos manejos para com eles.
No artigo 227 da constituição da República (alterada por emenda constitucional
n.65 em 2010) onde determina que cabe ao estado e a família assegurar de modo prioritário e irrevogável os direitos para a criança e adolescente; vida, saúde, alimentos, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade respeito e liberdade os protegendo antes de tudo de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Segundo o relatório dos direitos humanos publicados em 2019 tivemos 86.837 denúncias de violência praticadas contra crianças no ano de 2018, o que chama a atenção neste relatório é que a violência mais praticada contra os menores é a negligência, e aqui claro se menciona no sentido de que a população tem que estar atentos aos processos humanos e como vai se normalizando as práticas culturais repassadas pelos exemplos.
Mudanças sociais exigem novos repertórios das pessoas, alinhando-as com as condutas de padrão e normalidade destas, entretanto por mais antiquada que possa parecer algumas práticas jamais poderão ser esquecidas, como o amor ao próximo e a perpetuação da espécie humana.
Alguns escritores e pesquisadores contemporâneos apresentam um novo modelo de família, sendo este o que melhor pode se adequar a sociedade do futuro, segundo Celina Moraes (2010), a tendência é que as famílias sigam num modelo mais democrático, menos hierárquico e conduzido sob a lógica de valores compartilhados independentes de laços consanguíneos.
Isso mostra que nunca foi tão importante o estabelecimento de uma conduta moral e ética dentro dos lares. Se deixar as crianças e adolescentes conduzirem suas vidas, assim ao bel prazer, como desejam, é bem possível que as frustrações que evitaremos neles hoje, seja o sabor amargo que viveremos no futuro próximo, assistindo ao declínio de suas histórias.
Em O mundo é um moinho o compositor Cartola fala sobre uma adolescente que quer seguir por um caminho onde ela acha ser o melhor sem ouvir os seus pais, nela Cartola diz “Ainda é cedo amor, mal começastes a conhecer a vida, já anuncia a hora da partida, sem saber mesmo o rumo que irá tomar”
No mundo digital é possível instalar um rastreador e assim tomar ciência dos ambientes e com quem essas crianças e adolescentes se encontram, se comunicam. Mas existe uma ferramenta que não sairá de moda nunca, o diálogo, é a melhor saída e estando próximo dos filhos, pode ser possível que não seja tão difícil compartilhar senhas e espaços digitais, como rede social por exemplo é uma excelente estratégia para o estabelecer intimidade e comprometimento com eles.
Pais on não deixam filhos off, sem necessidade de desgaste e discussão. Os pais on pode destinar o uso consciente e coerente, e partilhar outras atividades pode substituir o avanço indiscriminado das tecnologias dentro do ambiente familiar, conversas, abraços, sorrisos, colo, afago, carinho, todos gostam, é sabido que a falta de atenção dos pais por causa do dia a dia foi o fator que mais pesou no uso das telas pelas crianças, até por que a grande maioria das vezes o início se dá quando um dos pais entrega o celular ou tablet a criança para brincar ou passar tempo e quando percebe não tem mais controle para tirar ela daquela dependência.
Referências :
AMERICANA, multada e proibidade de ver o filho. G1,27 de mai, 2010. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/05/americana–e–multada–e–proibida–de–verfilho–apos–difama–lo–no–facebook.html Acesso em: 21, fev de 2023.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo. 1ª ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
BRASIL. Disque direitos humanos – Relatório 2019. Equipe da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), Brasília, Distrito Federal, 2019.
BRASIL. Casa Civil. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/1990. Diário Oficial da União, 27 de setembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8069.htm.
Acesso em: 21 de janeiro de 2020.
TISSERON, S. 3-6-9-12 Apprivoiser les écrans et grandir. Toulouse: Éditions Érés, 2013. Disponível em: https://www.3-6-9-12.org..» https://www.3–6–9–12.org. Acesso em: 19 fev. 2023
OHCHR, CRC, 1989. “Artigo 3: 1. Em todas as ações relativas a crianças, quer sejam realizadas por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, o interesse superior da criança deve ser uma consideração primordial”.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática. In: Na medida da pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2010, pp. 212-213
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