Na edição anterior da revista, abordamos um sobre o uso excessivo de dispositivos digitais por crianças e adolescentes, com o texto “Uso de Telas”, a proposta agora é aprofundar nas questões especificas advindas deste excesso e focar mais na adolescência.
Aqui, vamos alertar sobre como este hábito pode individualizar e isolar o adolescente, algo que não é nada sadio, além de expor as fragilidades emocionais comuns na faixa etária em questão, apresentaremos também, sugestões para ajudar a prevenir e identificar situações muito comuns.
Os adolescentes sempre gostaram de viver enfurnados em seus quartos, durante muito tempo, era lá o refúgio deles, principalmente quando os pais viviam brigando, logo se via eles trancados, e com o som de músicas em alto volume vindos de seus quartos, para não ouvir e nem participar do que estava acontecendo em casa.
Neste tempo, que parece muito distante, a adolescência era tida como uma extensão da infância, hoje, os pais não conseguem ouvir suas vozes como antes, e quando chega a adolescência, aí que o silêncio impera, talvez pela concentração exigida pelos dispositivos eletrônicos que estão em suas mãos, com cargas de dopamina em excesso, e que os deixam mais dispersos, desatentos, impacientes.
Cada vez mais cedo, eles estão em seus mundinhos particulares, se isolando de tudo e de todos, construindo seus saberes que cada vez menos sabemos o que é, cercados por modismos passageiros, e escravos de um mundo globalizado carregado de informações e estímulos variados, que não agregam tanto assim como deveria, mas, como as escolhas que eles fazem são mais voltados para o divertimento, entretenimento, pouco pode se exigir de proveitoso.
Pode-se dizer que os pais estão perdendo seus filhos para os quartos? Ou a sociedade está perdendo está geração? Não se identificam com a família, e nem com este mundo que vivem, claro que, na adolescência, existe o rompimento com as questões de convivência familiar, isso sempre existiu, meio conturbado, mas tem piorado muito.
Ali em seu quarto, o adolescente consome de tudo, mas este tudo nada contribui com sua formação real, e sim transforma em pessoas, ansiosas, frustradas, inseguras, fracas, com baixa autoestima, baixo rendimento, desatentos, impacientes, e pior que, pelo pouco desenvolvimento intelectual, algumas pesquisas recentes já apontam que esta geração tem comprovadamente um QI menor que o dos seus pais.
Mas o que fazer? Atualmente até os adultos, estão também preferindo viver sozinhas, isoladas em seus quartos, se furtando de estar em relações interpessoais (amigos, família), sem interagir, socializar, num isolamento incomum.
Esta preferência veio à tona e ficou mais em voga no mundo pós pandemia, afinal, por quase 2 anos tivemos que nos adaptar ao uso da tecnologia, da internet e dos dispositivos eletrônicos como forma de trabalho e de estudo.
Era a única alternativa possível, para se manter ativo e conseguir passar as 24 horas dentro de casa, durante o tempo de lockdown, isso foi sabotando o psicológico, colaborando para que a necessidade virasse um vício, transformando este momento atual.
Já com o adolescente, isso aconteceu naturalmente, alguns já viviam ligados nas suas redes sociais, daí, estudar em seus dispositivos não foi assim tão difícil, por tanto acabaram sem perceberem o distanciamento que tiveram.
Mas os adolescentes de hoje fizeram esta opção, mas não é uma escolha consciente e equilibrada, e sim uma consequência que vem da falsa sensação de escolha que eles acham que tem.
Só que na realidade os vícios adquiridos, com o tempo desconectados da realidade, vivendo dentro de uma bolha, com seus desejos abastecidos a todo instante, que os envolvem e os isolam da realidade cada vez mais.
Numa vida quase sem amigos reais, só os virtuais, carregados de likes, compartilhamento, e em alguns casos, cancelamentos, ainda assim, curtindo viver outras conquistas, outros prazeres, que vão além da necessidade de convívio com outras pessoas. Segundo Augusto Cury (2023) “Se você não administrar sua emoção, será um barco sem leme, dirigido por elogios, aceitações, críticas e frustrações”.
Neste mundo eles conseguem, rir, chorar, se emocionar, se relacionar, se alimentar, ser o que querem e como querem, mal percebem que este ambiente é adoecedor, por tanto, podem contribuir significativamente no seu adoecimento psíquico, que com toda certeza irá afetar também seu corpo físico.
Ao pensar que tem todo prazer que precisam e gostam, naqueles momentos solitários que vivem, com todo excesso de dopamina, que mal percebem o tempo passando, já que continuam dominados pelo que as redes trazem e assim preenchem seus dias de uma forma incompreensível, com os prazeres ali, em suas mãos, sem esforço algum.
Assim, sendo inundados de excessos, mal sabem eles, que num futuro próximo sofrerão com muitas dores emocionais e físicas. Segundo Freud (1856-1939) “O excesso esconde uma falta”.
Os pais destes adolescentes estão numa luta em desvantagem, assim como a sociedade em geral, todos já perceberam a velocidade de crescimento das escolhas feitas pelos adolescentes, e todos estão perplexos, deixando duas perguntas: Cabe ao poder público tomar uma iniciativa para mudar este contexto? Ou basta a família agir, que isso pode mudar?
Em alguns países como a Suécia, os celulares já estão sendo proibidos nas escolas, estão tentando ressuscitar os livros em papel, já que eles foram, um dos primeiros países a digitalizar as bibliotecas, incentivou o uso de livros digitais (e-book) e trouxe eles para as escolas.
Na china, o governo já monitora o uso das telas por adolescentes, com controle de horários e conteúdo, sem contar os países que são mais drásticos ainda, dentro do assunto, cabe novas perguntas: Freud continua certo mesmo mais de 100 anos depois? Realmente os excessos escondem uma falta? Que falta seriam essas?
Pergunto aos pais, que falta tem os seus filhos hoje, já que eles estão mergulhados de cabeça neste mundo em que se encontram, e com toda certeza, muitos pais vão responder, perplexos, “Mas ele tem tudo! Como assim? Na minha época eu não tinha nada do que eles possuem”.
“Para Freud, todo excesso esconde uma falta. Falar demais, comer demais, comprar demais, beber demais… Infinitas possibilidades no excesso que preenchem o vazio e nos impede de entrar em contato com a angústia da falta”. Evelyn Biancon
Pensando erradamente que, encher os filhos de mimos, presentes, dispositivos eletrônicos e liberdade para fazer e acontecer, os tornam melhores pais que os deles foram, e nem percebem que é um erro letal para o desenvolvimento da criança. Na década de 80, tinha uma propaganda na tv da “Gelol” onde seu slogan era: “Não basta ser pai, tem que participar”.
Os estudiosos em suas pesquisas, já vem alertando há algum tempo, sobre o uso abusivo da tecnologia e da internet, e esta nova geração que forma a sociedade moderna, tem extrapolado isso.
Este uso, principalmente quando exercido pelas crianças e os adolescentes, estão facilitando o poder viciante que tem incontido nos algoritmos, poder que muitas vezes é comparado ao de drogas ilícitas, como cocaína e maconha, e que é preciso atitudes mais certeiras para mudar este rumo.
Na série Black Mirror de Charlie Brooker, feito para Netflix em 2011, vemos todo o poder que os algoritmos exercem nos indivíduos, com suas escolhas, dentro das pesquisas que fazem nas redes sociais.
É possível ver estas consequências inesperadas para alguns, e previsíveis para outros, em cada episódio, eles trazem reflexões e situações inusitadas, é uma série com sucesso de crítica e público no mundo todo, no Programa de Tv, Roda Viva, o escritor Yuval Harari mencionou a série, como um modelo para saber dos efeitos dos algoritmos.
Em seu livro Homo Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, o escritor Yuval Harari, trouxe à tona, como o ser humano conseguiu explorar as suas capacidades, da pré-história até os dias atuais, todos os avanços conseguidos, daqueles tempos remotos, onde a descoberta do fogo, roda e agricultura, transformou a vida de muitos, aos atuais tempos tecnológicos e cheios de descobertas, invenções, desde a bomba atômica a internet, e deixa perguntas no ar bem explícitas. (Sugiro que leiam o livro).
Mesmo com tanta capacidade, ainda assim, tudo só mudou quando o homem começou a entender que era racional, e que seu diferencial era a capacidade de pensar, imaginar, criar, inovar, ter inspiração, por que se não, atrofia tudo.
Dentro desta bolha que os adolescentes criaram para viver, o tempo voa rapidamente, criando falsas ilusões como a de pensar que você está no comando, e nem de longe, deixa você perceber que na verdade, é comandado.
Com todos os excessos de ofertas na palma das mãos, dá preguiça até de pensar, e fica todos dentro da zona de conforto, claro que, querer tudo rápido e prático é mais cômodo, e é possível como nunca foi antes.
Mas bom seria se todos usassem estas ofertas de uma maneira que aumentasse todo o conhecimento que já tem, descem um up-grade no intelecto, isso sim, seria muito bom, teríamos em pouco tempo vários Einstein, Davinci, Bill Gates, Mozart, entre outros gênios.
Massacrar a tecnologia e internet, só apresentado resultados negativos, e todo o contexto nocivo explorado pelos algoritmos, pode parecer para muitos, que lá só tem coisa ruim e só desmerece as muitas coisas positivas e produtivas que também tem.
Afinal, se não fosse toda este desenvolvimento tecnológico voraz, que a cada dia traz mais e mais inovações, atualizações do que já tem disponível, tudo isso ainda disponibilizando novidades numa velocidade incrível, seria um atestado de burrice.
Sem tudo isso, não teríamos, disponível como por exemplo os dispositivos eletrônicos, celulares, tabletes, notebook e também serviços que outrora eram impensados, como uber, spotfy, netflix, shopee, bancos digitais, ifood, wikipidia, google, entre tantos avanços que facilitam e muito a vida de todos nós.
Mas como foi dito acima, tudo isso para esta nova geração dá preguiça, do QI baixo, a famosa “Geração do Quarto”, pouco importa, o que eles querem é se manter na zona de conforto deles, já que numa simples pesquisa, chega milhares de opções do tema que procuram, sem fazer esforço algum e nem gastar seus neurônios, mas até para pesquisar, eles têm preguiça.
Claro que muitos já sabem, que dentro desta bolha que eles estão, irão sofrer com vários transtornos mentais, também poderão ter limitações físicas no futuro, mas provável que não mudem nada, vão continuar procrastinando, deixando para depois e se mantendo na sua zona de conforto.
Afinal para que pensar no pior, pensar em doenças possíveis, claro, que não acontece com todo mundo, mas coisas simples como a desidratação por falta de comer e beber, podem gerar problemas renais, assim como o excesso de comida e bebida, causa a obesidade.
Talvez você mesmo tenha passado diversas vezes por esta situação e não se deu conta, chamar umas 20 vezes para vir comer, e a resposta sempre é: Vou já, só mais um minuto, um instante. Fora os pais que levam até o quarto a comida e deixam lá para que comam, mas eles vão deixando para depois e depois.
Outras doenças que podem ser desenvolvidas com o tempo são: diabetes, bulimia, anorexia, automutilação, isso são casos comuns que podem ser gerados pela insistência em permanecer como está, ainda existe o desenvolvimento mais acelerado de problemas de visão, a luz azul e o excesso de tempo usando as telas mudam significativamente, audição, vai também sendo comprometida pelo som alto, e fones de ouvidos já muito comuns entre eles e além de tudo isso ainda tem: desatenção, impaciência, isolamento.
Mas só piora, problemas de coordenação motora, lesões por esforço repetitivos e ainda tem os transtornos mentais, que com toda certeza serão potencializados pelo contexto em que estão inseridos, eles são desenvolvidos com o tempo, alguns mais rápidos que outros, mas é praticamente impossível não acontecerem.
Com todo o excesso que estão consumindo, rapidinho pode ser percebidos: Baixa Autoestima, Narcisismo, Razonite, Ansiedade, Depressão, Síndrome de Pânico, Neurose Obsessiva também conhecido como T.O.C – Transtorno Obsessivo Compulsivo, Compulsão Alimentar, Oniomania que é a Compulsão por compras, Automutilação e que pode chegar a ideação suicida.
Um transtorno potencializado é o da “Razonite”, que é um efeito gerado em seu cérebro por uma inflamação (tema já falado por nós na edição de junho/2023), é uma enfermidade altamente grave, o indivíduo sofre uma disfunção cerebral alterando a sua razão, dai se isola, principalmente, por não aceitar nada diferente do que ele pensa e quer, tudo tem que ser do seu jeito, um narcisista moderno.
Tudo isso tem gerado uma preocupação pertinente para a família, que não sabe como agir dentro deste contexto, a terapia pode ajudar muito nestes casos, lembrando que os filhos se espelham nos pais e muito do que fazem hoje foi o que viram os pais fazendo, e com isso acharam ser normal e se condicionaram assim, mas também pode ser por querer fugir da realidade familiar em que se encontram.
Tome atitudes, promova mudanças pontuais, quanto mais tempo isolados neste mundo em que vivem, mais difícil sair, indicações que podem mudar esta situação, passeios em família, atividades físicas, cinema, saídas da rotina, diálogos e principalmente apoio terapêutico.
Gloria Peres em seu último folhetim global trouxe um personagem com este problema, Téo vivia num mundo particular, e desenvolveu vários vícios e transtornos, no mundo dele, era quem queria, tinha o corpo, a cor, o rosto, cabelo que queria, se vestia como queria, e se comportava como queria, ia festas e era um personagem forte e imponente e isso o satisfazia completamente, como ele nunca conseguiria no mundo real.
De início, os pais se negavam a perceber mesmo com os avisos da irmã de Téo, mas com o tempo tudo foi piorando e perdendo o controle, e no final o personagem teve que iniciar acompanhamento psiquiátrico e psicológico para se desintoxicar.
Sim, alguns casos precisam tratamento psiquiátrico, necessita usar fármacos, para controlar algumas situações geradas pelos transtornos desenvolvidos durante o processo, daí ser necessário agir logo, o quanto antes.
Não usar ditados tão comuns que não justificam nada, tais como: “Ah, é adolescente, todos são assim, vivem trancados no quarto, melhor ali do que na rua”. Não se enganem, achando que estando em casa, ele está sem correr riscos, não tape o sol com a peneira.
Convido você a mudar este cenário e afirmo que a terapia vai ajudar muito neste processo, ao qual toda a família precisa participar, e agir o quanto antes é fundamental, não esperem o pior.
Este convite que faço a vocês pais, não lhes retiram da responsabilidade, da ação e da participação, não pense que é só proibir e retirar deles os dispositivos eletrônicos como tv, notebook, tablete e celular, não vai resolver tudo, só assim.
Fique ciente, que isso é também o que deve ser feito, mas de forma gradativa, não é de uma vez, precisa ser substituído por outras atividades, e é destas atividades que precisa suas participações, sendo elas um ato de responsabilidade consciente que vocês pais precisam estar cientes, chega de ausências justificadas.
Não desistam na primeira tentativa, não desistam por causa de birras, de gritos, de brigas e de ameaças que virão com toda certeza, existirão nos casos mais graves crises de abstinência, não se apavorem, mantenham a calma.
Precisa de muito dialogo, explicar tudo dentro do tratamento é necessário também, lembrando sempre que tudo só chegou neste estágio por causa das atitudes anteriores, por não conseguir ver o que estava tão visível.
Claro que não foi premeditado e não se tinha noção do rumo que tudo isso ia levar, mas agora o foco é no novo contexto, no controle da situação e na melhoria de vida e bem-estar do adolescente e consequentemente de toda família.
Tudo isso pode ter um final feliz, assim como se não fizer nada e pecar pela omissão, num futuro próximo vai respingar em todos. De preferência não iniciem acusações de um para o outro e ou se possível encerrem o assunto recobrando a consciência e finalizando a discussão.
O foco não é mais este, apontar ou achar um culpado, se foi o pai ou mãe, não importa mais, ambos devem estar no mesmo propósito e isso não ajuda em nada.
Cuidem-se e nos vemos no próximo assunto.
Agende sua terapia o quanto antes, saúde mental é fundamental.
88-981398899 / 996089930
REFERENCIAS
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SALLES, Elis. Tudo Que é Excessivo Esconde Uma Falta. Jundiaí, SP. 2020. Disponível em:
Tudo que é excessivo esconde uma falta – Dicas dos Psicólogos (elissalles.com.br)
Acesso em 23/08/2023 às 11h.
BIANCON, Evelyn. Todo Excesso Esconde Uma Falta. Seberi, RS. 2023. Disponível em: Todo excesso esconde uma falta – Blog de psicologia (wordpress.com)
Acesso em 23/08/2023 às 12h.
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VELASCO, Irene Hernández. Geração Digital, Porque, Pela Primeira Vez, Os Filhos Tem QI Menor Que Dos Pais. www.bbcnewsmundo.com 2020. Disponível em: ‘Geração digital’: por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais – BBC News Brasil Acesso em 23/08/2023 às 13h.
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