Em 11 de agosto de 2021, o deputado federal pelo DEM-SP, Kim Kataguiri, apresentou o Projeto de Lei nº 2796/2021, com a proposta da criação de um marco legal para a indústria de jogos eletrônicos.

O deputado federal Kim Kataguiri justificou a criação do marco legal dos jogos eletrônicos no Brasil para fomentar o desenvolvimento desse setor no mercado nacional, uma vez que o setor de games na América Latina está em pulsante crescimento nos últimos anos, inclusive, em 2023, o setor de games no Brasil movimentou a cifra de R$ 13 bilhões de reais, entretanto, toda essa movimentação financeira é enviada ao exterior, uma vez que o Brasil não é um dos principais centros de criação de jogos.

Dessa forma, o projeto do marco legal dos jogos eletrônicos visa incentivar o setor produtivo de games no Brasill, de modo a garantir o desenvolvimento do setor, gerar empregos, reduzir crimes como o de descaminho, reduzir os altos encargos tributários com a produção dos jogos e estender os benefícios da lei da informática para o setor.

Em tramitação no Congresso Nacional desde 2021, no dia 03 de maio de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.852/2024, o Marco Legal para a indústria dos jogos eletrônicos.

A Lei nº 14.852/2024 foi composta com 21 artigos, divididos em 5 capítulos. O primeiro capítulo se destina a elencar que a fabricação, comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial de jogos eletrônicos serão regulamentados por esta lei, tudo em consonância com o art. 173 da Constituição Federal de 1988. Já o segundo capítulo apresenta os conceitos, princípios e diretrizes aplicáveis aos jogos eletrônicos.

Um ponto importante da Lei nº 14.852/2024 é que no parágrafo único do art. 5º exclui da definição de jogos eletrônicos, as promoções ou as modalidades lotéricas, bem como qualquer tipo de jogo que ofereça algum tipo de aposta, com prêmios em ativos reais ou virtuais, ou que envolva resultado aleatório ou de prognóstico.

Desse modo, os jogos de apostas não são considerados jogos eletrônicos de acordo com o marco legal dos jogos eletrônicos, logo, essas atividades não poderão se beneficiar de vantagens definidas pela Lei nº 14.852/2024.

Vale ressaltar que os jogos de apostas até 2018 eram considerados uma contravenção penal, conforme art. 50 da Lei de Contravenções Penais. Ocorre que, em 2018, foi criada a Lei nº 13.756/2018, que criou uma modalidade de loteria, as apostas esportivas, que a partir dessa legislação foram enquadradas como loteria, todavia, até a presente data, não há regulamentação acerca dessa nova modalidade de loteria, pelo que as apostas ainda não podem ser exploradas no Brasil devido à ausência de regulamentação específica.

 Logo, os sites de apostas estão sediados no exterior, assim, alheios à legislação brasileira, o que dificulta a tributação, fiscalização e até a garantia de direitos aos usuários. Sendo, assim, embora não haja previsão legal da exploração dessas atividades de apostas no Brasil, em razão das apostas ocorrem por meio virtual, há possibilidade de usuários brasileiros jogarem essa modalidade.

As vantagens previstas para o setor de games no marco legal dos jogos eletrônicos brasileiro inclui a possibilidade dos profissionais da área de jogos eletrônicos, das empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos e organizações empresariais e societária se enquadrarem na Lei do Simples Nacional (Leis complementares nº 123/2006 e nº 128/2008), para fins de inscrição e constituição de microempreendedor individual – MEI, microempresas e empresas de pequeno porte.

Com essa vantagem tributária de profissionais do setor game do Brasil reduzirem a carga tributária para desenvolveram produtos nacionais, o governo prevê um promissor desenvolvimento econômico dessa atividade no cenário local. Inclusive, a lei nº 14.852/2024 dispõe que esse ramo de atividade econômica terá um código específico na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE para identificar as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos.

A lei também constitui uma modalidade de tratamento especial ao fomento de jogos eletrônicos, pelo que estipula faturamentos específicos para esse setor para preenchimento dos requisitos para adesão ao Simples Nacional, vejamos:

Art. 8º Para fins de aplicação desta Lei, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial ao fomento de jogos eletrônicos o empresário individual, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas, as sociedades simples e os MEIs, com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior, ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada.

§ 1º Para o enquadramento a que se refere o caput deste artigo, aplicam-se os seguintes critérios:

I – utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004; ou

II – enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do art. 65-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

§ 2º O desenvolvimento de jogos eletrônicos é elegível para fomento em inovação, em desenvolvimento de recursos humanos e em cultura.

Outro ponto relevante do mercado legal dos jogos eletrônicos é que equipamentos como computadores, programas de computadores, licenças, SDK (software development kits) foram categorizados como ferramentas essenciais para a realização da atividade econômica de desenvolvimento de jogos eletrônicos, o que possibilita a redução da carga tributária dos equipamentos, taxas de importação incidentes e desembaraço aduaneiro, tornando assim mais fácil e viável economicamente a produção de jogos em território nacional.

A Lei nº 14.852/2024 trouxe uma inovação para o uso dos jogos eletrônicos no Brasil, incluindo a possibilidade de utilizar os jogos eletrônicos em ambiente escolar, para fins didáticos, no ambiente de trabalho, para fins de treinamento e capacitação e para fins terapêuticos.

É importante ressaltar que o uso de jogos eletrônicos nas escolas brasileiras deverá observar a classificação etária indicativa e será em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC e a Lei de Proteção a Criança e Adolescente – ECA.

Os jogos eletrônicos passam a ser considerados segmento cultural, para fins de fomento à pesquisa, desenvolvimento à inovação e à cultura, inclusive poderão captar e canalizar recursos por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).

Também haverá apoio do Poder Público para formação de recursos humanos para a indústria de jogos eletrônicos, como criação ou apoio a oficinas profissionalizantes direcionadas a jogos eletrônicos e cursos de formação profissional técnica e tecnológica e de especialização nesse segmento. Não será exigida qualificação especial ou licença do Estado para o exercício das profissões relacionadas ao desenvolvimento de jogos eletrônicos.

Por fim, o marco legal dos jogos eletrônicos dedicou um capítulo inteiro para tratar sobre a proteção das crianças e dos adolescentes quanto a concepção, design, gestão e funcionamento dos jogos eletrônicos para esses usuários, incluindo uma previsão acerca da interação entre usuários por meio de mensagens de texto, áudio, vídeo ou troca de conteúdos, de forma síncrona ou assíncrona, de modo a garantir a proteção desse público. Além disso, há a previsão de restrição da realização de compras e transações comerciais por crianças, de modo a garantir, quando aplicável, o consentimento dos responsáveis por esses usuários, vejamos:

Art. 16. Nos jogos eletrônicos direcionados a crianças e adolescentes que possibilitem a interação entre usuários por meio de mensagens de texto, áudio, vídeo ou troca de conteúdos, de forma síncrona ou assíncrona, deve ser garantida a aplicação de salvaguardas a direitos de crianças e adolescentes, com a disponibilização de, no mínimo:

I – sistema para recebimento e processamento de reclamações e denúncias de abusos e irregularidades cometidos por usuários;

II – informações aos usuários denunciantes, em prazo razoável, sobre o resultado das denúncias realizadas;

III – instrumentos para solicitar revisão de decisão e reversão de penalidades impostas;

IV – transparência social sobre:

a) a quantidade de denúncias recebidas e as categorias de violações cometidas;

b) o detalhamento dos métodos empregados para análise de denúncias, remoção de conteúdos e gerenciamento de comunidades;

c) o detalhamento dos métodos empregados para mitigação de riscos e aplicação de salvaguardas a direitos de crianças e adolescentes que utilizam a plataforma;

d) as sanções a serem aplicadas aos usuários infratores, incluídas as medidas utilizadas para impedir que os usuários criem contas adicionais em caso de banimento;

e) as ações proativas adotadas para conscientização, educação e promoção de direitos fundamentais na comunidade e nos mecanismos internos;

V – vedação, em seus termos de uso, de práticas, de trocas de conteúdos e de interações que violem direitos de crianças e adolescentes, respeitada a legislação brasileira;

VI – atualização e manutenção de ferramentas de supervisão e de moderação parental que respeitem o desenvolvimento progressivo das capacidades e a autonomia das crianças e dos adolescentes usuários, garantindo, ainda, seu direito à informação sobre a ativação e os parâmetros do mecanismo de supervisão;

VII – transparência e atualização e melhoria contínuas dos mecanismos de proteção contra risco de contato com outros usuários, garantindo, inclusive, a possibilidade de desativação de mecanismos de interação;

VIII – informações referentes ao disposto nos incisos I, II e III deste caput em língua portuguesa e em linguagem simples e de fácil compreensão para crianças, adolescentes e seus responsáveis.

Art. 17. As ferramentas de compras dentro de jogos eletrônicos devem garantir, por padrão, a restrição da realização de compras e de transações comerciais por crianças, quando aplicável, de forma a garantir o consentimento dos responsáveis.

Observa-se que o marco legal dos jogos eletrônicos no Brasil se trata de um mecanismo necessário para o desenvolvimento socioeconômico desse segmento no cenário nacional, garantindo vantagens tributárias relevantes, que auxiliarão de maneira significativa a produção dos jogos eletrônicos em nosso país, o que ocasionará a diminuição de importação e desenvolvimento local do setor, o que proporcionará maior fluxo de renda interna, maior fonte de recursos para entes estatais, geração de mais empregos, redução de crimes relacionados ao contrabando e descaminho, além de garantir segurança jurídica para a realização dessa atividade econômica em consonância com os princípios da ordem econômica constitucional brasileira, as leis de proteção aos direitos das crianças e adolescentes e a lei de proteção aos consumidores.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Projeto de Lei nº 2796/2021. Cria o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos. Brasília-DF: Câmara dos Deputados, publicada em: 11 ago. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2055353&filename=Tramitacao-PL%202796/2021  Acesso em: 23 mai. 2024.

BRASIL. LEI Nº 14.852, DE 3 DE MAIO DE 2024. Cria o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos. Brasília-DF: Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14852.htm Acesso em: 23 mai. 2024

FILHO, Márcio; ZAMBON, Pedro. Setor de games no Brasil movimenta R$ 13 bilhões por ano, mas ainda sem uma política nacional adequada. Editora Basset: Carta Capital, 22 set. 2023. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/tecnologia/setor-de-games-no-brasil-movimenta-r-13-bilhoes-por-ano-mas-ainda-sem-uma-politica-nacional-adequada/  Acesso em: 23 mai. 2024

GRANCHI, Giulia. Por que jogos de azar são proibidos e sites de apostas são permitidos no Brasil? São Paulo-SP: BBC News Brasil, 12 mai. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce7g64gx1r9o Acesso em: 23 mai. 2024.

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