As Lojas Americanas foram fundadas em 03 de setembro de 1929, na Cidade de Niterói-RJ, pelos americanos John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger. Inicialmente era uma loja cujo objetivo era vender produtos com preços baixos, com o seguinte slogan: “nada além de 2 mil réis”, um modelo que já fazia sucesso nos Estados Unidos e Europa no início do século XX.[2]

MEIRA (2023) alega que ultrapassado 50 anos da fundação da Americanas S/A, na década de 1980, o trio de empresários bem sucedidos brasileiros, Jorge Paulo Lemann, Marcell Telles e Carlos Aberto Sicupira adquiriram a gigante varejista.

MEIRA (2023) afirma que no início do novo milênio, anos 2000, os computadores com acesso à internet começaram a ocupar os lares pelo Brasil e a Americanas S/A se tornou a primeira loja online nacional. Com a popularidade cada vez maior da internet, a varejista adquiriu o Shoptime e a Ingresso.com em 2005 e, posteriormente, em busca de sua expansão pelo Brasil, comprou no ano seguinte a empresa Submarino, criando a empresa B2W, uma das maiores empresas de comércio eletrônico da América Latina. [3]

Com o aniversário de 93 anos de fundação, a Americanas (AMER3) finalizou o ano de 2022 como uma das 5 (cinco) maiores varejistas do Brasil, com valor de mercado estimado em R$ 11 bilhões de reais. Conforme InfoMoney[4] uma ação da Americanas S/A chegou a seu maior valor no dia 22 de julho de 2020, fechando com o dia com o montante de R$ 122,02 (cento e vinte e dois reais e dois centavos), conforme índice IBOVESPA.[5].

Todavia, no dia 11 de janeiro de 2023, Elisa Calmon e Talita Nascimento noticiaram no sítio eletrônico do Estadão que o então CEO da varejista, Sérgio Rial, havia encontrado ‘inconsistências’ de R$ 20 bilhões nas contas da empresa e, em ato contínuo, anunciou sua renúncia, apenas 10 dias após assumir o cargo.[6]

A notícia confirmada pela varejista devastou o mercado financeiro naquela semana, tendo seu final consolidado da pior forma, quando no dia 13 de janeiro de 2023, a Americanas (AMER3) informa que o rombo nas contas na verdade ultrapassa a cifra de R$ 40 bilhões de reais, valor este 3 vezes maior que seu valor de mercado, pelo que a empresa ingressa no final do dia com um pedido cautelar para proteção de seu patrimônio durante 30 (trinta) dias contra vencimento antecipado de dívidas pelos credores, conseguindo obter a referida liminar.

É o início de uma guerra de narrativas na justiça entre a Americanas (AMER3) e seus credores, dentre eles o mais eminente, o banco BTG Pactual (BPAC11), que no dia 14 de janeiro de 2023 já ingressa com uma petição inicial com a finalidade de derrubar a proteção pleiteada pela varejista, acusando expressamente o trio de sócios majoritários da empresa, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, de fraudadores.

De início, a decisão que havia deferido a liminar para a Americanas é mantida, todavia, a reação do mercado financeiro é negativa, tendo as ações da varejista no dia 16 de janeiro de 2023 chegado ao valor de R$ 1,94 (um real e noventa e quatro centavos), menor valor após os escândalos contábeis da companhia. No mesmo sentido, a agência de classificação de risco Moody’s cortar a nota de crédito da varejista de ‘Ba2’ para ‘Caa3’ e a colocou sob observação negativa.

Contudo, no dia 18 de janeiro de 2023 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu ao banco BTG Pactual o direito de bloquear o valor de R$ 1,2 bilhão da Americanas.[7]

Diante da vitória do banco BTG Pactual, dos inúmeros outros pedidos de outros credores, da constante desvalorização das ações no mercado financeiro e o risco iminente de um colapso para a imagem da companhia, no dia 19 de janeiro de 2023 a varejista Americanas ingressa com o Pedido de Recuperação Judicial na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, através de aditamento a inicial nos autos da Tutela Cautelar Antecedente nº 0803087-20.2023.8.19.0001.

A Recuperação Judicial é um instituto jurídico disciplinado mediante a Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que tem o objetivo de recuperar economicamente o devedor de forma a assegurar a manutenção da empresa, considerando a sua função social. É a possibilidade que a empresa tem de sair de uma crise econômico-financeira antes que o descumprimento de obrigações ocasione em decretação de falência.

É uma forma que a empresa tem de obter do Judiciário garantia e tratamento diferenciado, ante a inadimplência, com a finalidade de proteger o direito dos credores, preservar a empresa e garantir o emprego de trabalhadores.

No caso da varejista Americanas S/A, os seus pedidos em sede de Recuperação Judicial são os seguintes:

(i) sejam suspensas todas as ações e execuções existentes contra as Requerentes, bem como a exigibilidade dos créditos concursais; (ii) seja confirmado o sobrestamento dos efeitos de toda e qualquer cláusula que imponha vencimento antecipado das dívidas das Requerentes, em decorrência do fato relevante publicado em 11.1.2023, inclusive como medida de isonomia para a coletividade de credores e respeito a par conditio creditorum; (iii) sejam suspensas qualquer ordem de arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens, oriundas de demandas judiciais ou extrajudiciais, o que deverá ser previamente submetido a esse MM. Juízo, sobretudo se puderem prejudicar ou inviabilizar o processo de recuperação judicial das Requerentes; e (iv) seja confirmada a proibição de compensação de quaisquer valores, com a imediata restituição de todo e qualquer valor que os credores eventualmente tiverem compensado – com relação especificamente ao Banco BTG Pactual S.A. (“BTG”) após ser reformada, como confiam as Requerentes, a teratológica decisão do Des. Flávio Horta Fernandes –, assim como dos valores eventualmente retidos e/ou apropriados por credores, em virtude do fato relevante veiculado ao mercado em 11.1.2023 e seus desdobramentos.[8]

Conforme Lei de Falência e Recuperação Judicial (LFRJ), após a empresa devedora requerer a recuperação judicial, a Justiça analisará se restam preenchidos os requisitos para o deferimento de tal medida. Caso a empresa devedora faça jus ao processamento da recuperação judicial nos moldes da LFRJ, a Requerente deverá apresentar no prazo de até 60 dias, conforme dispõe o art. 53 da referida lei, o seu plano de recuperação, contendo o detalhamento dos meios de recuperação, bem como a demonstração de sua viabilidade econômico-financeira e laudo de avaliação de todos os bens do grupo econômico.

Com o deferimento liminar do pedido de recuperação judicial, são suspensas todas as execuções e prescrições em face da empresa devedora pelo prazo de 180 dias. Caso a Justiça indefira o pedido, é decretada a falência da empresa devedora, e, portanto, decretada sua insolvência.

Deferida a recuperação judicial, o magistrado procederá à nomeação de um administrador judicial para formalizar o plano de recuperação apresentado, dando seguimento a todo o procedimento para a conclusão desta. A aprovação do plano de recuperação depende da chancela dos credores, que conforme art. 55 da LFRJ, deverão se manifestar no prazo de 30 dias após a apresentação do plano de recuperação judicial, acerca de possíveis objeções e contestações. Havendo qualquer objeção por parte dos credores, a Justiça deve convocar uma Assembleia Geral de Credores.

Na Assembleia Geral de Credores serão votadas três opções acerca do plano de recuperação apresentado pela empresa devedora: a aprovação, a rejeição ou modificação. As modificações no plano serão consideradas apenas se a devedora as aceitar no momento da assembleia. Além disso, para que essas alterações sejam consideradas válidas, não podem de forma nenhuma resultar na perda ou diminuição de direitos de credores ausentes. Se o resultado da votação for pela rejeição do plano, o administrador judicial poderá abrir votação para que os credores apresentem um plano próprio de recuperação, no prazo de até 30 dias. Para que a hipótese de apresentação de novo plano em 30 dias seja aceita, precisará ser aprovada por credores que representem mais de 50% dos créditos presentes na assembleia. E, por fim, se aprovado o plano, deverá a assembleia definir um comitê de credores, com membros titulares e substitutos para acompanhar a execução do plano.[9]

Um fato que chamou bastante atenção nesse caso da Americanas S/A foi o fato de um dos credores, no caso o banco BTG Pactual ter saído na frente em busca de garantir seu crédito. Contudo, vale ressaltar que existe na legislação brasileira uma ordem de preferência referente aos créditos em casos de recuperação judicial e falência, que estão dispostos da seguinte forma, conforme art. 83 da LFRJ:

a)    Créditos trabalhistas até 150 salários mínimos ou de acidentes de trabalho;

b)    Créditos garantidos por direitos reais;

c)     Créditos tributários, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias;

d)    Créditos quirografários;

e)    Demais créditos.

Nesse sentido, os créditos de bancos como o do BTG Pactual, Votorantim, Bradesco S/A e outros são considerados como garantidos por direitos reais e/ou quirografários, portanto, em que pese a tentativa agressiva desses grandes conglomerados financeiros em buscar judicialmente alguma vantagem para garantir seu crédito, restará em vão caso seja aprovado o plano de recuperação ou até mesmo em caso de decretação de falência, pois o ordenamento brasileiro é claro quanto a preferência de crédito a ser obedecida judicialmente.

Outras grandes empresas brasileiras também já enfrentaram Recuperação Judicial, a mais conhecida foi a empresa de telecomunicações OI S/A, que apresentou pedido em 20/06/2016, e após 6 anos, em 14 de dezembro de 2022, encerrou o processo de recuperação judicial na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

QUADROS (2022) afirma que:

Em fato relevante de 31/05/2022, a Oi divulgou o Instrumento de Repactuação e Transação com a Anatel, no feito representada pela AGU. Com uma redução de 54,99%, a dívida passou de R$ 20,237 bilhões (saldo atualizado) para R$ 9,109 bilhões, a abranger tanto o saldo dos débitos não tributários originais quanto os novos desde 2020. Descontando o montante dos depósitos judiciais da Oi, apropriados pela Anatel, o valor líquido ficou em R$ 7,335 bilhões. Com a repactuação, o vencimento da última parcela ocorrerá em abril de 2033 e a dívida deverá ser quitada em 126 parcelas não lineares. Um montante elevado, mas que significa uma redução relevante em relação ao total de créditos anteriormente existentes.

Os créditos públicos foram equacionados em 2022, com a Lei 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências. Mediante o pagamento das parcelas, à Oi foi conferida ampla, completa, geral, rasa e irrevogável quitação em relação aos débitos não tributários não pagos e/ou objeto das execuções fiscais listados no Instrumento que representa o cumprimento de uma importante etapa do Plano de Recuperação Judicial. Da dívida de R$ 65 bilhões, a Oi quitou pagamentos com 35.372 credores, dentre os quais a renegociação com Anatel e o pagamento integral da dívida com o BNDES. Aos fornecedores, a Oi pagou R$ 2,4 bilhões. Dos cerca de 65 mil credores, pouco menos de 59 mil tinham a receber até R$ 50 mil. A empresa foi autorizada a renegociar individualmente cada valor.

Dessa maneira, a Oi sai de uma das maiores recuperações judiciais da história do País. Com a homologação da Justiça o litígio dar-se-á por encerrado, sem que a Anatel tivesse sido obrigada a fazer com que a União assumisse o ônus de uma delicada intervenção na operadora. Importante destacar que o caminho das soluções privadas, nesse caso, felizmente pode ser traçado com aparente sucesso, lançando mão, seja no âmbito público seja no privado, do ferramental legal e regulatório disponível para a solução de litígios dessa complexidade.[10]

Diante de todo o exposto, é forçoso ressaltar a necessidade de uma ampla investigação acerca dos fatos ocorridos com a Americanas S/A, a fim de concluir se de fato houve erro contábil, fruto de uma incompetência e ingerência do setor financeiro privado, ou pior, um esquema criminoso de fraude a credores, que merece total reprimenda da Comissão de Valores Mobiliários e punição pelo Sistema Judiciário Brasileiro, pois não é crível o declínio tão abrupto de uma das poucas nonagenárias empresas nacionais, considerada no fim de 2022 como a quinta maior varejista do Brasil, geradora de mais de 100 mil empregos diretos e indiretos, recolhendo impostos, os quais perfazem, anualmente, o montante aproximado de R$ 2 bilhões, e garantindo a circulação de riquezas, no melhor interesse dos quase 150 mil acionistas que detêm participação nas sociedades do Grupo Americanas.


[1] http://lattes.cnpq.br/3457134564281935

[2]A HISTÓRIA DAS LOJAS AMERICANAS NO BRASIL. Conteúdo originalmente publicado no site O Blog do JF. Ponte Rio-Niterói. Disponível em: https://www.ponterioniteroi.com.br/conteudo/b3bbccd6c008e727785cb81b010a0a00187a5c15 Acesso em 24 de janeiro de 2023.

[3] Meira, Victor. (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Publicação em 16 de janeiro de 2023. Disponível em: https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3 Acesso em 24 de janeiro de 2023.

[4] Americanas (AMER3). Atualizado 23/01/2023 às 18h13. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/cotacoes/b3/acao/americanas-amer3/proventos/ Acesso em 24 de janeiro de 2023 às 09h51min.

[5] Principal indicador de desempenho das ações negociadas na B3 (Bolsa de Valores do Brasil) e reúne as empresa mais importantes do mercado de capitais brasileiros.

[6] Calmon, Elisa. Nascimento, Talita. Americanas: Presidente encontra ‘inconsistências’ de R$ 20 bi nas contas da empresa e renuncia. ESTADÃO. Publicada em 11/01/2023.. Atualizada em 16/01/2023.. Disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/negocios/americanas-sergio-rial-renuncia/ Acesso em 24 de janeiro de 2023.

[7] Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. G1.globo. Economia. Publicado em 19 de janeiro de 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml Acesso em: 24 de janeiro de 2023.

[8] Trecho extraído da fl. 6 de 19 do ID 42587749 – Petição (Aditamento à inicial), dos autos da TutCautAnt 0803087-20.2023.8.19.0001. Disponível em: https://tjrj.pje.jus.br/1g/Processo/ConsultaProcesso/Detalhe/listProcessoCompletoAdvogado.seam?id=1600797&ca=41948a6bbab2f2a23683f9126e02536edcae124d0a7c01901e6d6f194202d66c673d383c676b87b9dc4276c57b46a93ab1f59d11394696f7&aba= Acesso em 24 de janeiro de 2023.

[9] Fachini, Tiago. Recuperação judicial: o que é e quais as fases desse processo? PROJURIS. Publicado em 08 de março de 2022. Disponível em: https://www.projuris.com.br/blog/recuperacao-judicial/#h-1-pedido-de-recuperacao Acesso em 24 de janeiro de 2023.

[10] Quadros, Juarez. Fim da recuperação judicial da Oi. Convergência Digital. Publicado em 15 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.convergenciadigital.com.br/Opiniao/Fim-da-recuperacao-judicial-da-Oi-62176.html Acesso em 24 de janeiro de 2023.

Você pode ler a revista online aqui no site ou realizar o download. Para isto basta acessar o menu superior Edição Atual e Anteriores, escolher o ano, rolar a página para encontrar a edição desejada. Clicar no botão Ler Online ou Download.

Ew Sistemas TI.