A sociedade brasileira enfrenta a automedicação como um fenômeno de menor importância, embora já tenha sido pauta de inúmeros debates públicos, a automedicação carrega consigo diversas questões complexas.
Dentro do nicho de manutenção desta problemática, temos a indústria farmacêutica que se utiliza desta questão para esvaziar cada vez mais as gôndolas das farmácias que são os seus clientes fidelizados, fazendo deste, um lucrativo mercado; que se retroalimenta, a partir dos efeitos colaterais das drogas medicamentosas, que muitas vezes não curam as doenças, como deveriam ou se propõem, agindo apenas como ação paliativas.
Outro ponto a ser questionado é a falta de atenção para com a saúde básica, a numerosa população brasileira, que agoniza em filas para suprir suas carências orgânicas, tendo como única válvula de escape, medicar os sintomas e estancar a sangria da saúde publica.
Considerando todos os fatores sócio culturais que foram responsáveis pela normatização do que hoje podemos chamar de automedicação, quando nossos ancestrais que eram os responsáveis por nossos cuidados (principalmente quanto a saúde), traziam de seus ancestrais os costumes de tentar a cura de algumas mazelas com seus chás, beberagens, rezas, garrafadas, e muito disso orientado por benzedeiras, curandeiras, estas emulsões entre outras terminologias nos remete a um passado não tão distante, como se pode pensar.
Os tratamentos médicos eram durante muito tempo algo distante, não existiam tantos médicos, a rede de assistência à saúde não era para todos, e com poucos recursos, para grande maioria não restava outra opção, com a chegada do SUS – Sistema Único de Saúde, vimos que os tratamentos médicos sofreram várias reformulações ao longo dos tempos, e hoje que vivemos um boom tecnológico muito avançado, e as pessoas de poucos recursos podem ter em muitos casos uma assistência e acompanhamento médico digno.
A partir do exposto não fica difícil perceber que automedicação é oportuna, encurta o caminho árduo de busca pelos serviços de saúde já tão precários, e por sabermos que já está entranhada em nossos hábitos de autocuidado.
Recentemente a discussão sobre a automedicação tomou importante lugar nas mídias, quanto ao questionamento do uso de medicamentos sem receita para o possível tratamento da Covid-19, muitos foram os adeptos do tratamento intitulado como precoce, para combater o vírus da Covid-19.
Por saber que era utilizado neste tratamento de prevenção, um medicamento fundamental para tratamento do Lúpus, a ponto do medicamento em questão começar a faltar nas prateleiras das farmácias do nosso país, e com isso, algumas pessoas viram um medicamento importante para seu tratamento faltar e não ter previsão de ser abastecido como antes, sendo ele fundamental ao tratamento que estes precisam fazer.
Este e outros marcadores mostram como esta questão é além de delicada, está inserida em nossas vidas de uma maneira bem peculiar e sorrateira. Usamos com frequência um velho conhecido, medicamento simples para dor de cabeça, que tem em sua bula diversos efeitos colaterais, neste caso falaremos do medicamento chamado “DORFLEX”.
Segundo Dr. Rocha, todo e qualquer fármaco apresenta efeitos colaterais em sua utilização, com o “DORFLEX” a história não seria diferente. Esse famoso e muito utilizado medicamento é capaz de proporcionar aos seus usuários os seguintes efeitos colaterais:
- Aumento da pressão intraocular, ou seja, dentro dos olhos;
- Agitação;
- Alucinações;
- Alergias;
- Boca seca e extremo sentimento de sede;
- Coceiras;
- Diminuição da produção de suor;
- Dificuldade em urinar;
- Enjoo;
- Fraqueza muscular;
- Irregularidade na frequência cardíaca;
- Irritações estomacais que podem resultar em gastrite, queimação e azia;
- Prisão de ventre;
- Pupila dilatada;
- Sonolência;
- Tonturas e tremores;
- Visão turva e embaçada.
Embora não seja divulgado, o “DORFLEX” é um dos medicamentos anti-inflamatórios que possui maior número de possíveis ocorrência de efeitos colaterais em seus usuários. Diante do exposto temos uma dimensão de como a saúde da população está em risco com o uso indiscriminado destas drogas farmacêuticas ao se automedicar.
Olhando de cima em sua onipotência e onipresença está a indústria de medicamentos, que continua sua ávida luta por crescimento financeiro, tendo suas táticas de merchandising, publicidade e contando com a cômoda participação do corpo médico, proporcionando mesmo que involuntariamente a transformação desta automedicação e/ou medicalização em algo paliativo de grande importância para a roda girar como eles querem e precisam.
“A medicalização está inserida no contexto de uma sociedade capitalista, responsável por permitir que a medicação possa atuar como uma ferramenta do biopoder, no controle e na normatização dos indivíduos.” (FERREIRA, 2017)
E ainda tem os diversos medicamentos vendidos sem prescrição médica, que são comercializados e estão a disposição da população em farmácias (até bem pouco tempo existia em mercearias e bodegas de bairros de toda e qualquer cidade do país), medicamentos estes como: anti-inflamatórios, antitérmicos, antigripais, relaxantes musculares entre outros fármacos.
Segundo o ICQT – Instituto de Ciências, Tecnologia e Qualidade 79% da população brasileira com mais de 16 anos tem como hábito se automedicar. Teve um crescimento de 3% desde a última pesquisa em 2016, segundo o estudo o imediatismo e o maior acesso a internet são dois dos principais motivos para o aumento deste índice. (ICTQ, 2018)
O CFF – Conselho Federal de Farmácias fez uma pesquisa e observou que dentro da população que se automedica, 45% se automedicam ao menos uma vez por mês e outros 25% toda semana. Com essa frequência, tal fenômeno tem se tornado um problema de saúde pública. (G1, 2019)
O que é automedicação? É o ato de ingerir remédios por conta própria sem ter sido orientado, receitado e acompanhado por um profissional médico e/ou farmacêutico, podendo causar danos à saúde.
Os analgésicos são os fármacos de maior incidência entre os que se automedicam, e os estados onde estas pesquisas indicaram o maior percentual de pessoas que se automedicam são Amazonas e Tocantins. (SOTERIO, 2016)
Segundo Christian I. L Dunker (2015, p. 37), o sofrimento se altera de acordo com a nomeação que recebe, ao contrário do adoecimento orgânico que seria, a princípio, indiferente a nomeações. Devido nossas regiões serem culturalmente diferenciadas, assim como também socialmente, podemos ver nomeações do mesmo sintoma diferentes umas das outras.
Por ser um fenômeno muito complexo a medicalização que vivemos na sociedade atual chegou a um cenário de vulgarização e/ou banalização do consumo de medicamentos, e todo este biopoder gerado pela automedicação.
Não creio que toda a inovação com pesquisas e criação de novas fórmulas para os fármacos seja um ponto negativo dentro do contexto, tem sim um poder positivo, mas que o senso comum o usa indiscriminadamente a seu bel-prazer.
Sabendo que com a automedicação e/ou medicalização faz com que o processo de transformação das questões, que antes não eram de alguma forma problema médico passarem a ser assim de uma certa forma.
Problemas apresentados em uma ordenação diferente que só escondem outras grandes questões pessoais, doenças vistas como transtornos e ou distúrbios psiquiátricos que perpassam questões financeiras, sociais, econômicas, políticas, culturais e emocionais, se cruzam nesta linha tênue, e assim atingem a vida das pessoas.
Na busca desenfreada de todos por explicações biológicas, fisiológicas e até comportamentais, vivemos esta automedicação e/ou medicalização de uma maneira desenfreada, e logo ao primeiro sinal de dor e/ou desconforto já corre para o Dr. Google, afinal está ao seu alcance e ainda é grátis, então por que não? Cerca de 40% das pessoas que se automedicam pesquisam na internet como vão aliviar seus sintomas.
Neste sentido, a hipocondria é um transtorno psicopatológico que se alimenta de todas as coisas aqui já faladas, por saber que a pessoa que é hipocondríaca tende a ver nos fármacos uma saída rápida para os seus sintomas, isso aliado a automedicação é um fator preocupante e perigoso demais
Segundo Vanessa Müller (2017) Ao utilizarem a internet para se informar, se fixam somente nos aspectos mais negativos e ameaçadores, desenvolvendo ainda mais sua ansiedade e obsessão. Uma simples mancha pode virar um câncer, por exemplo.
Cerca de 10 milhões de pessoas no Brasil sofrem com hipocondria, e a automedicação é um dos fatores que estimulam esta prática. Segundo VOLICH, (2015, p. 26), “O corpo é nosso primeiro universo. Nele somos concebidos, abrigados. A partir dele existimos. Nele se gestam os enigmas e nele buscamos as respostas. Interrogar os mistérios do corpo é tão antigo quanto investigar o mundo que nos cerca… [É essa perspectiva que nos convida o mundo da hipocondria].
Aquilo que pode parecer algo oportuno como se automedicar por uma simples dor de cabeça, ou um psicotrópico e/ou calmante para conseguir dormir, pode aos poucos desencadear uma patologia como a Hipocondria, e ela ao longo do caminho pode ter serias consequências dentro do organismo do indivíduo, causando dependência, entre outras coisas.
Segundo VOLICH, (2015, p.26), “A hipocondria é geralmente caracterizada como uma preocupação exagerada do sujeito com seu estado de saúde. Essa preocupação se manifesta através de crenças, rituais e atitudes aparentemente irracionais com relação a seu corpo, como por exemplo, o medo constante de adoecer, de contaminar-se, de desenvolver uma doença muito grave.
O indivíduo crê com toda veemência que tudo aquilo é a realidade nua e crua, que realmente está enfermo, ou em uma doença tão grave que vai levar ele à óbito, que busca todo tipo de saída que existir para combater aquela enfermidade que ele julga ter. “Apesar das queixas insistentes do paciente, os médicos encontram uma grande dificuldade de tratá-los diante da convicção do paciente na realidade de seu estado (POSTEL, 1993).
O ideal é iniciar uma terapia com um psicólogo o quanto antes, para que não se desenvolva a Hipocondria, que em casos extremos pode ser necessário a intervenção com medicamentos e acompanhamento psiquiátrico, além de ter que dar continuidade a psicoterapia.
Evitar os fatores que alimentam a compulsão por automedicação tais como: pesquisas ao Dr. Google, pode ajudar para se ter autocontrole. Atividades físicas, mudanças na rotina, uma boa leitura, uma ida ao cinema, ocupar-se, é importante nesta caminhada, a cura pode não ser possível, mas a mudança pode ser algo determinante para conviver com o problema e a partir daí viver normal e dignamente.
Referências:
AUTOMEDICAÇÃO É UM HÁBITO COMUM A 77% DOS BRASILEIROS. www.g1.globo.com (2019) Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2019/05/13/automedicacao-e-um-habito-comum-a-77percent-dos-brasileiros.ghtml acesso em 09/04/2022 as 15h
BUONOCORE, Jackson César. A MEDECALIZAÇÃO DA VIDA. (2016) Disponível em: https://www.psicologiasdobrasil.com.br/medicalizacao-da-vida/ Acesso em 07/04/2022 as 12h
VOLICH, R. M. Hipocondria: Impasses da alma, desafios do corpo. São Paulo-SP. 2015 Ed. 3º Casapsi Livraria e Editora Ltda.
DUNKER, C. I. L. Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo, 2015.
FERREIRA, Mayara Sousa. MEDICALIZAÇÃO DA VIDA: SOBRE O PROCESSO DE BIOLOGIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA ALUMNI Revista Discentes UNIABEU Vol. 5 Edição 10 (2017) Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5467875/mod_resource/content/1/Medicaliza%C3%A7%C3%A3o%20da%20vida.pdf acesso em 08/04/2022
Muller, Vanessa. HIPOCONDRIA NA REDE: CUIDADO COM A AUTOMEDICAÇÃO.www.vtmneurodiagnostico.com.br (2017) |Disponível em: https://vtmneurodiagnostico.com.br/2017/02/23/automedicacao/ acesso em 10/04/2022 as 12h
PESQUISA AUTOMEDICAÇÃO NO BRASIL – 2018. www.ictq.com.br (2018) Disponível em: https://ictq.com.br/pesquisa-do-ictq/871-pesquisa-automedicacao-no-brasil-2018 acesso em 09/04/2022 as 14h
POSTEL, J. Dicionário de Psiquiatria e de Psicopatologia Clínica. Paris-França. 1993 Ed. Larrousse
ROCHA, Patrick. DORFLEX, CONHEÇA OS RISCOS DE UM DOS MEDICAMENTOS MAIS VENDIDOS NO BRASIL. (2022) Disponível em: https://drrocha.com.br/dorflex/ acesso em 12/04/2022 as 13h.
SOTERIO, Karine Azeredo; SANTOS, Marlise Araújo dos. A AUTOMEDICAÇÃO NO BRASIL E A IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO NA ORIENTAÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS DE VENDA LIVRE: UMA REVISÃO. (2016) Disponível em: https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/12308/2/A_AUTOMEDICACAO_NO_BRASIL_E_A_IMPORTANCIA_DO_FARMACEUTICO_NA_ORIENTACAO_DO_USO_RACIONAL_DE_MEDICAMENTOS_DE_VENDA_LIVRE.pdf acesso em 09/04/2022 as 11h
Referencias:
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Escrito com: Kizzy Rafaella Leandro de Lima (Discente de Psicologia)
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